segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo



Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.

Do poema Passagem das Horas, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa. Extraído do Disco Drama 3°Ato, 1973, Maria Bethânia

3 comentários:

Anônimo disse...

Quanto tempo que passo aqui e procuro suas inspiradas publicações! Que bom que voltastes, cara amiga!
Abraçõa
M.Peralta

Francisco Sobreira disse...

Querida Lili,
Que bom ler Pessoa. E quando se trata de um poema que a gente não conhece, o prazer da leitura é ainda maior. Um beijo.

Anônimo disse...

Olá,
Gosto muito do Pessoa e do heterônimo Alberto Caeiro, o guardador d erebanhos. Gosto muito da poesia lusa.
Parabéns pelo blog!

Alexandre Afonsino