Hoje na Casa de Cultura Laura Alvin, em Ipanema, RJ, haverá uma homenagem para aquela que aos 21 anos foi a única mulher a participar do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, a economista e socióloga Vera Sílvia Magalhães. A homenagem substituirá a tradicional missa de sétimo dia.
Vera Sílvia Magalhães foi retratada na minissérie “Anos Rebeldes” como a personagem de Cláudia Abreu e no filme “O que é isso, companheiro?” de Bruno Barreto, baseado no livro de Fernando Gabeira.
Na juventude, bela e inteligente, Vera “despedaçava o coração” dos companheiros de guerrilha. Em 1968, aos 20 anos, a menina de classe média alta do Rio de Janeiro ingressou na luta armada contra a ditadura militar e se engajou no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), que foi uma dissidência do PCB. Vera treinava tiro, roubava carros e assaltava supermercados e bancos.
Vera tinha sangue-frio, em conversa com o segurança da embaixada americana extraiu todas as informações necessárias para a ação. “Quando nosso aparelho foi descoberto, ela deu cobertura a todos com seu 38. Depois, com a arma vazia, rendeu um táxi e fugiu”, lembra o jornalista Cid Benjamin. Dias depois, quando fazia panfletagem numa favela do Rio, levou um tiro na cabeça e foi presa. Mesmo torturada, não entregou os companheiros. “Falar eu não falava, assim como não lambia parede, embora eles quase tenham arrancado minha língua fora”, contou Vera numa entrevista.
Incluída entre os 40 presos que foram trocados pela libertação de um embaixador alemão, Vera deixou o país em junho de 1970 em cadeira de rodas. Tivera os movimentos severamente prejudicados em sucessivas sessões de tortura sofridas durante meses na Polícia do Exército.
Só voltou depois da anistia, em 1979. Morou a maior parte do tempo em Paris e estudou na Sorbonne, onde foi aluna de Fernando Henrique Cardoso. “Como aquele marxista pôde se transformar no neoliberal de hoje? Ele não era democrático, não deixava os alunos falar.”
Vera foi casada com o atual deputado Fernando Gabeira, casou ainda mais quatro vezes e teve um filho, Felipe, de 24 anos. Trabalhou no governo do Rio, mas se aposentou por invalidez. “Destruíram minha saúde física e mental, mas me sobrou o principal, que é o sentido humano, ético e político”, disse.
Em 2002, por decisão da 23ª Vara Federal do Rio, Vera Sílvia foi a primeira brasileira a receber pensão da União como reparação por tortura. A pensão de Vera foi de 20 salários mínimos – R$ 4 mil. Até então, indenizações desse tipo só tinham sido pagas a famílias de mortos. Vera Sílvia levou 30 anos para entrar na Justiça. “É difícil transformar sofrimento em dinheiro. A maioria de meus companheiros não pediu. Mas meus problemas de saúde exigiram”, disse Vera, que enfrentou crises psicóticas, problemas renais e câncer. Perdeu ainda a firmeza das pernas e, pelo excesso de medicamentos, tem problemas nos dentes e na salivação.
Em 2002, por decisão da 23ª Vara Federal do Rio, Vera Sílvia foi a primeira brasileira a receber pensão da União como reparação por tortura. A pensão de Vera foi de 20 salários mínimos – R$ 4 mil. Até então, indenizações desse tipo só tinham sido pagas a famílias de mortos. Vera Sílvia levou 30 anos para entrar na Justiça. “É difícil transformar sofrimento em dinheiro. A maioria de meus companheiros não pediu. Mas meus problemas de saúde exigiram”, disse Vera, que enfrentou crises psicóticas, problemas renais e câncer. Perdeu ainda a firmeza das pernas e, pelo excesso de medicamentos, tem problemas nos dentes e na salivação.
Entrevistada alguns anos atrás ela disse que se pudesse recuar no tempo, não teria optado por ações armadas como forma de enfrentar a ditadura:
- Nosso grande erro foi querer fazer uma revolução num momento conjuntural favorável à direita, tentar mudar o país com ações de guerrilha, mas sem os instrumentos necessários. O melhor teria sido optar pela resistência política, mesmo sabendo que os militares também nos prenderiam e nos torturariam por isso - analisou Vera Silvia. Os instrumentos mencionados por Vera seriam, essencialmente, o apoio popular, o aperfeiçoamento estratégico das organizações e o arsenal bélico.
- Tínhamos pouquíssimas armas. A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) é que tinha armas boas, porque Carlos Lamarca roubara do Exército. A gente ia com um revólver 38 e com a coragem. E havia uma coisa bonita naquele sentimento de transformação radical da sociedade. Mas nem sequer chegamos à luta armada. Fizemos ações armadas. Não havia uma estratégia comum nem comando único. Não houve planejamento de guerrilha urbana ou rural no Brasil. Eram cerca de 50 organizações entregues a ações esparsas e fragmentadas – observou.
Para Vera, mesmo que os integrantes da luta armada unissem forças e consolidassem a estratégia, ainda assim seriam insuficientes comparados ao poderio das Forças Armadas.
- Não queríamos apenas resistir à ditadura, mas fazer uma revolução socialista. As classes fundamentais que fazem esse tipo de revolução são o campesinato e o operariado, normalmente massacrados pelo arrocho salarial. A classe média não faz revolução sozinha. Ela cria a vanguarda, mas vanguarda isolada se destrói pelas forças opostas. Naquele momento, até a classe média apoiava o golpe. Apostávamos na idéia de que um modelo econômico baseado no arrocho salarial aumentaria a insatisfação do povo, a resistência operária e da classe média. É claro que não. Havia o arrocho salarial, mas sem inflação, já que o governo dava subsídios e o FMI injetava muito dinheiro no Brasil. Era a estratégia dos governantes. A classe média conseguiu comprar a sua casinha e o operário passou a viver um pouco melhor. Portanto, não havia interesse para aquelas pessoas, pelo menos momentaneamente, em acabar com o regime.
Vera morreu aos 58 anos, em um de seus depoimentos, recolhidos nos arquivos do Jornal do Brasil, ela afirmou sobre a decisão pela luta armada, no final dos anos 60:
- O AI-5 acabou com os nossos diretórios e expulsou nossas lideranças das faculdades. Nos sentimos encurralados. Não dava para simplesmente irmos para o MDB. Éramos marxistas. Foi então que decidimos pela luta armada. Do socialismo daquela época, desisti. Mas não desisti da utopia, dos meus sonhos de que o mundo se torne melhor, com um mínimo de igualdade.
Para Vera Silvia, a menina que aos 11 anos ganhou de presente de um tio um livro que influenciaria toda a sua vida, o "Manifesto do Partido Comunista", de Marx e Engels, e após a leitura decidiu se desfazer de todos os seus bens, a começar pelas bonecas; para essa menina que um dia lutou um sonho que devia ser de todos, o sonho de um Brasil justo e livre, para ela desejo muita paz e estrelas no céu...
6 comentários:
Uma triste notícia, mas a sua sabedoria e força ficam aqui de herança para nós meros mortais.
Bjs
Todo ser que luta por seu ideal merece respeito e admiração.
Cadinho RoCo
Desconhecia esses fatos relatados por você, que fizeram de Vera uma mulher admirável. Infelizmente, toda a sua luta foi em vão e, coitada, teve consequências na sua saúde, que a levaram à morte ainda relativamente jovem. Mas esse é o destino que cada um faz de si mesmo. Beijos.
Desconhecia esses fatos relatados por você, que fizeram de Vera uma mulher admirável. Infelizmente, toda a sua luta foi em vão e, coitada, teve consequências na sua saúde, que a levaram à morte ainda relativamente jovem. Mas esse é o destino que cada um faz de si mesmo. Beijos.
Vera Sílvia Magalhães, para mim, é um ser humano de grandeza máxima. Sua firmeza e lucidez diante de todos as violências, injustiças e infortúnios que sofreu, que teriam masscrado 99.999 por cento das pessoas, demonstram sua grandeza de caráter, sua coragem, seu sentimento de justiça, que ficarão para sempre como exemplo da verdadeira e maior riqueza que um ser humano pode possuir.
Devia ter ficado em Cuba. Tomara esteja junto a Fidel.
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